Abrindo seu próprio zíper

Era pra ser só uma bobagem, sabe? Um daqueles filmes de passar o tempo, depois de um dia puxado...
Só que, além de ser leve e bem engraçado, de fato, o filme Como ser Solteira traz uma questão tão interessante, que coloca em perspectiva algo que parece tão enraizado na gente, que nunca pensamos seriamente sobre isso: só contamos o tempo da vida adulta, através dos relacionamentos. E não só relacionamentos amorosos, não, como você deve ta pensando...

Pois é, o filme dá um leve tapa com luva de pelica na gente, afirmando que o ser humano tem muita dificuldade de ficar sozinho com os próprios sentimentos, medos e anseios. Algo que talvez já saibamos, mas que fazemos questão de não pensar muito sobre. 
Segundo o longa, ou estamos numa constante busca pela outra metade, ou 'apelamos' para os amigos. Tudo para não ficarmos só. Dessa maneira, dirigido por Christian Ditter (diretor de Simplesmente Acontece), se foca em diálogos espertos, um roteiro leve e despretencioso e uma interessante relação entre personagens, que conforme a narrativa avança, também passamos a fazer parte dos círculos ali descritos.
Então vamos lá, do que se trata Como Ser Solteira e que escolhas ele fez para conseguir me surpreender:
Alice (Dakota Johnson) é uma garota que sempre esteve em relacionamentos. Primeiro com a família e depois com Josh (Nicholas Braun), nunca tendo tempo para ficar/estar consigo mesma, a moça decide tirar um período solo, mudando-se para Nova York sozinha, onde reencontra sua irmã Meg (Leslie Mann), uma médica casada com o trabalho; e conhece Robin (Rebel Wilson), uma solteirona convicta, que entende como ninguém o que é curtir. Um dos cenários favoritos é o bar de Tom (Anders Holm), onde festas acontecem e altos encontros também, entre eles os que Lucy (Alison Brie) arranja para si através de algoritmos em sites de paquera.

Sob o tema de relacionamentos, cada um dos personagens vai ganhando corpo e complexidade, de modo que, apesar de parecer uma boba comédia romântica, somos pegos desprevenidos com uma mente simplesmente genial de Robin; uma série de observações sagazes por parte de Alice e Lucy; além de uma inevitável identificação com as neuroses contemporâneas de Meg. Assim, mesmo que de modo separado, no fundo, a gente percebe que as personagens são todas frutos de um discurso de empoderamento feminino que empaca nas questões mais 'primárias' do que é socialmente aceitável: quando você vai se casar? quando você vai encontrar um cara legal? quando você vai ter filhos? o que você está fazendo, que ainda não tem uma família? E por aí vai.
De uma forma digna de notabilidade, as críticas a essas expectativas sociais é feita por meio de uma série de tomadas de decisões que devem ser cumpridas solitariamente e talvez esse seja um dos maiores trunfos narrativos do longa, uma vez que, primeiro, diferente do que você possa imaginar sobre o filme, não existe uma fórmula para ser solteiro, casado, viúvo ou 'vendo no que vai dá'. Segundo, que realmente há uma diferença entre solidão e ser sozinho (como a gente falou sobre aqui) e o filme dá conta de mostrar isso.
"Pare de aproveitar o momento!"
Sobre os aspectos técnicos e formais do filme não temos muitas novidades. São planos bem tradicionais, acompanhados de uma trilha gostosa e bem direcionada ao público feminino. Também não tem grandes momentos de câmera, nem de edição, mas guarda certa generosidade na fotografia e direção de arte, dando espaço para uma Nova York cenário tridimensional e cheia de significado, mudando de acordo com os momentos do filme e se deixando refletir com as personagens.
Com um final lindeza e aberto o suficiente para ser lembrado, Como ser Solteira não está na mesma proporção de filmes que celebram a vida louquice de forma desarticulada, como Descompensada, ou que se embasam na eterna busca pelo amor, como Sex and the City; mas realmente celebra a solidão como forma de encontrar a si mesmo e só aí ter alguém, ou não ter...
Afinal de contas, como bem colocou a cafecólatra Tay, as vezes estamos tão carentes de atenção que não percebemos que estamos nos anulando...

Apesar de não estar na lista de Bechdel oficialmente, tenho certeza que Como ser Solteira entrará logo, pois tem mais de uma personagem feminina, com nomes próprios, que conversam e que conversam sobre algo além de caras. Então esse filme faz parte da minha lista de 24 filmes para 2016, do Blogs que Interagem, na temática Que tenham passado no teste Bechdel. Aproveite para saber mais sobre o teste acessando aqui e aqui.

2 comentários

Beatriz disse...

Adorei o post, Ana. Tinha visto algo sobre esse filme, mas achei que ia ser mais bobinho, sabe? Seu post me deixou com vontade de assistir, e acho essa mensagem - a de se sentir bem sozinha - tão importante. E bom saber que as personagens são legais e que o filme passa no teste de Bechdel. Vou procurar para assistir!

Beijos!
Vestindo o Tédio

umagarotacomdeias disse...

Que texto mais gotoso de ler, me deliciei com as palavras e certamente assistirei o filme pela mensagem que traz. E obrigada por mais uma vez me citar, e digo vamos nos amar e nos dar atenção primeiro pra depois virem outros