Tudo começa com 'I'

Investigação, Imprensa, Igreja, Impacto, Ideologia, Infância...
Essas são as diversas palavras que podem servir para definir esse filme, envolvendo o mote jornalístico de um grupo do Boston Globe, sobre casos recorrentes de pedofilia na Igreja Católica, o longa metragem Spotlight tem um ótimo roteiro, mesmo que no seu formato fílmico não guarde grandes momentos.

Quando você faz o curso de jornalismo, uma das coisas que mais ouve de desavisados sobre a profissão, é de que ela está acabando. Outros preferem a abordagem de que o ofício é "simples", ou que "hoje, com a internet, qualquer um pode fazê-lo". Tem pessoas também, que insistem em achar que o jornalista é só aquele que aparece na TV. Pré-concepções, de fato, que você vai colocando em perspectiva durante o curso e tratando de ignorar, quando é aquela tia sua, mal informada (e que nem tenta melhorar esse estado) que diz alguma dessas baboseiras. 
Sim, é possível dizer que o jornalismo purista está se reconfigurando (não acabando), mas também é possível dizer que ele vem se reconfigurando desde que ele é ele. O Fazer Jornalismo é quase um ser vivo e não se resume à escrever um bom texto, checar meia dúzia de informações e/ou entrevistar algumas fontes. E o longa Spotlight trabalha com essa noção ideológica do trato da notícia, mesmo que não chegue a brilhar como outros vários filmes que se validam através dessa questão, como Todos os Homens do Presidente, Boa Noite, Boa sorte; ou O Quarto Poder

Além da questão jornalística, Spotlight fala do duelo de duas instituições, a Imprensa e a Igreja. Duas gigantes, que ainda conseguem ditar linhas de comportamento, crenças e até mesmo modus operandi social, de modo que o contexto ao qual o filme está inserido se torna de importância singular para compreendê-lo como um todo. Até recentemente a Igreja Católica não tinha se manifestado sobre os recorrentes casos de pedofilia e abuso sexual envolvendo padres, cardeais e bispos de diversas comunidades católicas ao redor do mundo. Os casos corriam sigilo e muitos dos envolvidos eram, de fato, desligados do corpo da Igreja, mas como os casos nunca tinham sido discutidos abertamente, era como se eles nunca tivessem ocorrido.
No começo da década de 2010, diversos processos vieram a tona e, em grande parte, isso ocorreu graças ao trabalho de equipes inteiras de jornalistas investigativos, que se debruçavam sobre informações incompletas, advogados escorregadios e uma instituição que insistia em manter toda essa sujeira embaixo do tapete. A equipe Spotlight, do Boston Globe, foi uma das primeiras que se dedicou a esmiuçar tais dados e trazer a tona o encoberto, sendo vencedora do Pulitzer ao fim de mais de 500 reportagens sobre.
Com Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams e Liev Schreiber, Spotlight se centra na pesquisa em si e em como as peças foram se encaixando para essa equipe que, no começo, parecia estar correndo atrás do próprio rabo. Como a instituição laica que deve ser, a Imprensa tem diversas obrigações morais com o público, entre elas a de não divulgar detalhes imprecisos, especialmente sobre figuras públicas, mas como uma instituição formada por seres humanos, ela também é recheada de questões pessoais, de modo que a forma como o roteiro de Spotlight se configura, vamos compreendendo que: mais do que colocar sob o holofote (com o perdão do trocadilho) o escândalo, era preciso perceber a crença, a fé e a ideologia de cada um desses indivíduos como seres humanos, além da profissão. Característica que é, um dos maiores trunfos deste enredo, sintetisada por uma cena entre Keaton e Jamey Sheridan: "Se todos sabiam que algo estava errado, porque ninguém fez nada antes?".

Optando por enquadramentos clássicos, em plano americano, poucos planos detalhes e quase nenhum plano aberto, a história em sua estética é bastante comum, sendo possível dizer que na direção de Tom McCarthy, o que se destaca é o ritmo do filme, que não cai no marasmo de longuíssimas investigações, mas ao mesmo tempo, temos a noção de que demandou um período considerável de dedicação.
Sem grandes estrelas, Spotlight é um filme coeso, de boa edição, mas sem brilhantismos, mesmo assim tem um quê que lembra filmes antes já premiados pela academia. Afinal de contas, é uma história real, tem um especial detalhe nacionalista e prende pelo manejo do escândalo. É de se aguardar para ver se realmente encherá os olhos dos votantes.
Pitacos: Spotlight concorre em 6 categorias. Para mim é favorito apenas para Melhor Roteiro Original.

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