Deus e Tampinhas

Com uma premissa aparentemente despretensiosa, o curta metragem brasileiro Deus, do diretor André Miranda, corre do clima mais denso que, normalmente, norteia o estilo fílmico de até 20 minutos de duração, para trazer uma comédia com ritmo, discussões filosóficas (fantasiadas de frango) e algumas crises existenciais.

Através de um início em falso plano sequência, de estética fotográfica e inserções que lembram muito algum videoclipe de rap brasileiro da década de 90, somos apresentados à Frango (Eduardo Moraes), um jovenzinho que acredita piamente que todo mundo nasce com um talento especial, e que o seu, pasmem, é "corrida de tampinha". No entanto, nem podemos ver alguma de suas proezas, porque logo percebemos que isso não importa e que Frango se transformou em um homem numa fantasia de frango. Interessante aproveitar esse momento para chamar atenção para a clara analogia de Frango e Covarde, uma vez que alguns eventos se seguem até que o frangote encontre-se na outra vida  emostram como o rapaz passou por sua existência de modo apático e acabou no pós-morte, sentindo-se, digamos, um nada.
Pois é, Frango não realizou nada em sua vida, "já se acostumou a usar a sua fantasia no dia a dia". Dedicou-se a atividades medíocres, sempre na expectativa que tivesse a sua grande chance e que com a grande chance seu grande talento (lembra, o das tampinhas) pudesse ser, magicamente, relevante. Até lá, então, ele espera. Só que essa espera leva o pobre rapaz para um final onde só Deus.

Ou nem Deus, já que esse também é uma figura! Interpretado por Andrade Jr., o Deus da história é sarcástico, levemente cruel mas decididamente dono de algumas das alfinetadas mais densas e profundas no roteiro desse curta, brilhantemente escrito pelo próprio diretor.
Com uma série de cenários bem interessantes e que servem de pontes entre as cenas, o curta metragem usa e abusa do urbano, trazendo para o asfalto, concreto, muros grafitados e meios de transporte, a narrativa de Frango colocando Deus a prova e se segue num tom cômico, mas ao mesmo tempo providencial para a compreensão de que ao buscar tanto por uma tampinha especial, podemos acabar perdendo as tantas outras que entram na vida. E por mais ridícula que seja essa metáfora serve para compreender um pouco do rumo que o roteiro do curta toma.

Assim, na busca de tentar entender o motivo do fim da sua vida, Frango passa a questionar o poder de Deus, sendo consecutivas vezes rebatido por uma simples, porém consistente noção: você é completamente fruto das escolhas que faz. E "Deus não tem nada a ver com isso".

Veja o curta metragem completo abaixo: